Quando os Espíritos vieram revelar aos homens as novas leis da natureza que fizeram do Espiritismo uma doutrina, eles disseram: "Eis os princípios; cabe a vocês elaborá-los e deduzir as aplicações." O que fizemos diversas vezes pelas questões científicas, o fazemos agora pela questão religiosa.
O Espiritismo, com efeito, não é por si mesmo, senão uma doutrina filosófica baseada sobre fatos exatos e leis naturais ainda desconhecidas; mas por sua essência, essa doutrina, modificando profundamente as idéias, toca em todas as questões sociais, e por conseqüência nas questões religiosas, como em outras. Não é disso que todas as filosofias se ocupam já que comentam as bases de todas as religiões, isto é, Deus, a origem e a natureza da alma? A filosofia materialista não se ocupa disso também do ponto de vista da negação? É mesmo impossível que uma filosofia não aborde essas questões em um sentido ou outro. O Espiritismo podia então disso se ocupar, de seu lado, com a ajuda dos elementos novos a que precede; mas isso não é o que constitui uma religião, de outra forma todas as filosofias seriam religiões.
É preciso distinguir a idéia religiosa da religião propriamente dita. A idéia religiosa é geral, sem origem em detalhes firmes, sem qualquer regulamentação. A religião tem um caráter particular de precisão que consiste não somente em uma comunidade de crenças bem determinadas, mas na forma exterior de adoração, no cumprimento de certos deveres, e na ligação que une seus adeptos. É isso que não tem jamais tido o Espiritismo, e é por isso que não tem sido uma religião. Se é espírita porque se simpatiza com a idéia que ele encerra, como se é cartesiano, platônico, espiritualista ou materialista, mas não por uma profissão de fé ou por uma consagração qualquer.
O Espiritismo não possui dogmas, nem cultos, nem ritos, nem cerimônias, nem hierarquias ; não pede, nem admite, nenhuma fé cega ; quer ver claro em tudo ; quer que tudo seja compreendido, que se tenha conta de tudo.
"O Espiritismo, escreve Allan Kardec3, coloca em princípio que antes de crer, é preciso compreender ; ou, que para compreender, é preciso usar de seu julgamento... em lugar de dizer : creia primeiro que tudo e você compreenderá se puder, ele diz: compreenda primeiramente, e creia em seguida se quiser."
O verdadeiro propósito das assembléias religiosas deve ser a comunicação de pensamentos ; é que em efeito a palavra religião quer dizer ligação ; uma religião, em sua acepção maior e verídica, é uma laço que religa os homens em uma comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças.
O laço estabelecido por uma religião, qualquer que seja o objetivo, é um laço essencialmente moral, que religa os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não é somente feito de engajamentos que se quebram à vontade, ou de fórmulas acabadas que falam aos olhos mais que ao espírito. O efeito desse laço moral é estabelecer entre aqueles que uniu, como conseqüência da comunidade de visões e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também dissemos : a religião da amizade, a religião da família.
Se for assim, dirá você, o Espiritismo então é uma religião ? Muito bem , sim ! Sem dúvida. Senhores, no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião e nós disso nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos sobre uma convenção simples mas sobre bases mais sólidas, as leis mesmas da matéria.
Porque então havíamos declarado que o Espiritismo não é uma religião ? Pela razão que só há uma palavra para expressar idéias diferentes e que na opinião geral, a palavra religião é inseparável daquela de culto, que revela exclusivamente uma idéia de forma e que o Espiritismo não é isso. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria senão uma nova edição, uma variante, veria os princípios absolutos em matéria de fé, uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, cerimônias e privilégios ; não o separaria das idéias, do misticismo e dos abusos contra os quais a opinião se tem erigido muitas vezes. "
Louis Serré e Roland Tavernier escreveram : " Não escolhamos entre as palavras : religião, espiritualismo ; nós somos espiritualistas e daí religiosos. Nós admitimos que todas as religiões têm um ponto comum : a espiritualidade ; mas recusamos energicamente os dogmas que cristalizam a pesquisa e se opõem muitas vezes à razão, assim como os rituais que tendem a dar um poder usurpado àqueles que os praticam - levando infalivelmente à intolerância e ao racismo, fontes de tanta crueldade. "
Revista Espírita 1867
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